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O BEM, O MAL E O DILEMA HUMANO

  • Foto do escritor: Doval Estratégias e Soluções
    Doval Estratégias e Soluções
  • 2 de mai. de 2016
  • 5 min de leitura

Atualizado: 26 de set. de 2021


ISABEL DOVAL


A questão que diz respeito ao bem e ao mal é inquietante e sempre presente em reflexões sobre valores individuais, ou relativas à cultura. A existência do mal no mundo sempre causou perplexidade a filósofos e teólogos na narrativa da história, ou mitos sobre a origem do homem.


A Mitologia nos conta que antes de serem criados a terra, o mar e o céu, todas as coisas apresentavam um aspecto a que se dava o nome de Caos - uma confusa massa, na qual, contudo, faziam latentes as sementes das coisas. Um deus - não se sabe qual - tratou de empregar seus bons ofícios para arranjar e dispor as coisas na terra e por fim a esse caos. Tornara-se necessário, porém, um animal mais nobre, e foi feito o Homem. Não se sabe se o criador o fez de materiais divinos, ou se na terra, há tão pouco tempo separada do céu, ainda havia algumas sementes celestiais ocultas. Prometeu tomou um pouco dessa terra e, misturando-a com água, fez o homem à semelhança dos deuses. Este titã, escalando o Olimpo, acendeu a sua tocha no carro do Sol, e trazendo o fogo para o homem assegurou a superioridade deste sobre todos os outros animais. O fogo lhe forneceu o meio de construir as armas com que subjugou os animais e as ferramentas com que cultivou a terra; aquecer sua morada, de maneira a tornar-se relativamente independente do clima, e, finalmente, criar a arte da cunhagem das moedas, que ampliou e facilitou o comércio - o fogo do conhecimento. Zeus, o rei dos deuses, furioso com tamanha ousadia, prendeu-o e o amarrou em um rochedo, aonde um abutre vinha todos os dias comer-lhe o fígado, que se regenerava durante a noite, para ser comido novamente pelo abutre no dia seguinte. A insaciedade do homem foi o que provocou a ira de Zeus. A submissão a insaciedade selvagem do abutre foi o seu castigo. O homem adquiriu dessa forma a faculdade do conhecimento até então exclusiva dos deuses e se tornou potencialmente divino, mas ainda primário para saber lidar com essa força que agora existia em sua alma.

No século XX Hannah Arendt, em 1963, escreveu "Eichmann em Jerusalém" a partir da cobertura jornalística que realizou do julgamento do exterminador dos judeus. Nesse livro revela que o carrasco não era um poço de maldade como se poderia pensar, mas alguém terrivelmente normal. Um típico burocrata que se limitara a cumprir ordens, com zelo, sem capacidade de refletir, de separar o bem do mal, ou de ter arrependimento por seus incontáveis homicídios, já que tinha razão “justa” para cometer cada um deles - o cumprimento de suas obrigações. Arendt apontou para certa "banalidade do mal" que surge quando se condescende com o sofrimento do outro e a própria prática do mal, quando o que predomina é a falta de reconhecimento do outro, e que, diante de uma realidade diferente da sua, importa-se principalmente com o alivio da sua tensão e com a sua própria satisfação. O mundo para ele se traduz em EU e é MEU.

Moral é a ideia que está no centro da definição de bem e de mal. Durkheim definia moral como a “ciência dos costumes”, sendo algo anterior à própria sociedade, a ser adquirida pela educação. O indivíduo não pode ser desligado do seu contexto cultural, e a cultura é um agregado de relações sociais “encarnadas” no indivíduo.


Prometeu provocou a ira de Zeus com a insaciedade, com o seu desejo de obter sem restrições o que lhe faltava para ter autonomia em relação aos deuses. Antes do castigo Prometeu não tinha conhecimento nem consciência sobre bem e mal, mas sim a ilusão de perfeição, de que tinham tudo o que o homem podia necessitar, de que sabia tudo o que um homem necessitava saber. Mas só aos Deuses cabia a virtude da perfeição!

Hannah Arendt analisa o mal quando este atinge grupos sociais. Segundo a autora, o mal não é da natureza do ser, é político e histórico: é produzido por homens e se manifesta apenas onde encontra espaço institucional para isso - em razão de uma escolha política. A trivialização da violência corresponde, para Arendt, ao vazio de pensamento, a falta de reflexão, onde a banalidade do mal se instala no dia-a-dia. No sujeito, é no vazio de uma falta que lhe confere a condição de humano, que lhe leva a agir com crueldade em relação ao seu semelhante, sem perceber nem sentir que esta crueldade se reverte contra ele mesmo. É a expressão da arrogância onipotente que ignora o outro para negar a possibilidade deste decepciona-lo.

Através do diálogo o sujeito se desvenda para si e para o outro, construindo uma ponte edificada através dos significados trocados entre estes dois, criando um espaço comum – a comunidade. O Outro hoje, graças aos recursos tecnológicos e o avanço das ciências e da globalização, é próximo e familiar, mas não necessariamente é nosso conhecido. A comunicação tem, neste contexto, um papel destacado não só no desenvolvimento do pensamento, mas também no desenvolvimento da consciência e da identidade. Estas condições tão contemporâneas, colocam o sujeito num meio de insegurança, confusão e de extremos – intimidade e anonimato nas redes sociais, por exemplo – que lhe dificultam saber quem ele é e quem ele não é, o que deseja e o que esta sendo pressionado a se tornar, o que pode mostrar e o que deve guardar, por não conseguir avaliar a dimensão e repercussão do que diz e do que faz no outro, e nem o que ele próprio representa.

A insaciedade do sujeito narcisista, onipotente, está sujeita a insaciedade de “abutres”, mais vorazes e violentos que ele. Esta sujeitado este sujeito a crueldade de seu próprio sentimento de culpa, e a crueldade da moral que construiu ou contribui para a manutenção. O narcisismo sinalizado pelo poder e pela voracidade desmedidos torna o sujeito vulnerável a identificações fortemente idealizadas, e definitivamente improváveis, que lhe condenam à dor cotidiana da frustração causada, inexoravelmente, pela vida real.

Demandas desafiadoras frente às oscilações da autoestima, de angústias que tangenciam o medo e levam as pessoas a experimentarem a falta de esperança e a presença de um vazio que pode trazer consigo muita dor – é o desamparo.

É inevitável que um grupo venha refletir a sociedade em que está inserido. Se por um lado o genocídio “purificador” ou as violências do cotidiano são banalizadas, por outro, os indivíduos tendem a se tornar insensíveis e inseguros. A violência torna-se pública cada vez mais claramente, ao mesmo tempo em que cria um vazio promovido pela distância condizente com a falta de confiança. O espaço psicológico para que transite o amor, que coletivamente se traduz em solidariedade – sentimento este que não existe sem o reconhecimento do outro – também se torna escasso. A solidariedade é o abrir no seu espaço lugar para o outro.

Antes de tudo é necessário que o sujeito que faz parte desta sociedade, de diferentes grupos, possa dizer, e que possa ser escutado. O bem e o mal estão no que o sujeito não comunica, é o vazio, é a omissão, é a distância. O mal é a violência, que sem poder ser representada em palavra, é atuada contra o outro; ou é o sentimento de culpa, que lhe obriga a sujeitar-se, a corresponder àquilo que não sente como seu.


Lidamos com um excesso de sentidos, de direções – uma confusão, quase um caos. O excesso também se tornou o sentido, além do bem e do mal. Fazer dos espaços coletivos verdadeiramente espaços onde os sujeitos podem pensar e fazer o reconhecimento da realidade aqui e agora, bem como, de oportunidades para recuperar o que necessita, é o que valida este espaço como lugar para transformar, para investir num futuro que não depende nem de forças, nem leis onipotentes, e sim, de uma ordem que estabeleça limites a serem amorosa, respeitosa e civilizadamente observados.

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