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A OMISSÃO NOSSA DE CADA DIA

  • Isabel Doval
  • 29 de jun. de 2017
  • 5 min de leitura

Atualizado: 26 de set. de 2021

ISABEL DOVAL


O comportamento de omissão – presente em cenas de nosso cotidiano, presenciado nas ruas, noticiado nos meios de comunicação – como um papel exercido em grupos, pequenos ou grandes, familiares, profissionais, terapêuticos, sociais, enfim, permeando nossas relações tanto quanto o afeto e o poder.

“PAI VAI À JUSTIÇA –E.L., marido da dona de casa A.S.P., que deu à luz uma menina na porta do hospital R.S., na madrugada de Sábado, vai processar o hospital por omissão de socorro (...). A.S.P, grávida, procurou o hospital mas não foi atendida. Uma médica chamada M.P dispensou a mulher, que acabou dando a luz na calçada do hospital, ajudada por sua irmã.”

Acontecimentos como esse fazem parte de nosso cotidiano e suscitam questões sobre ética, moral e cultura; sobre como vivemos e agimos e, como deveríamos viver e agir. Que acontecimentos individuais ou coletivos comumente ignoramos? Porque isso acontece? O que ocorre pessoal e socialmente quando nos omitimos? Qual o dano que a omissão pode causar? Essas são questões que tocam raízes relacionadas à sobrevivência e a “recompensas” para aqueles que “fecham os olhos”. Admitir a cegueira em relação a tais questões é o início da visão.

1- O que é omissão?

O comportamento do omisso como parte de nosso cotidiano e similar ao da médica M.P., é aquele que poderia, através de algum tipo de ação, afetar o resultado da situação – mesmo não podendo evitá-la – uma vez que está em pleno conhecimento e no ponto de agir. A omissão implica na evitação da responsabilidade e negação da própria autonomia, potência e envolvimento com a situação.

O processo de interação em um grupo estimula a emergência de fantasias individuais inconscientes. O processo de assunção de papéis também se estabelece a partir de aspectos conscientes e inconscientes, vindo assim a determinar a estrutura relacional do grupo. Isso diz que uma problemática individual emergente afeta a estrutura grupal e, como um sinal, nos remete às relações implícitas, nas quais estão comprometidos todos os integrantes do grupo. Sendo assim, o omisso – “espectador” – tal como os demais participantes “atuantes” em um grupo – ou em uma cena cotidiana – estará atendendo as suas próprias necessidades individuais, envolvendo e influenciando processos e destinos dos grupos e da sociedade.

O omisso pode estar preso pelo medo de não suportar qualquer perda e/ou, pelo medo de não saber lidar com situações novas, ou que o exponha a riscos. Usa então, a omissão racionalizada como: “ para que eu vou criar problemas(?) ” , “ os outros fazem melhor que eu (!) ”, “ porque vou complicar minha vida (?)”, entre outras tantas. Os omissos são os que substituem a ação pela contemplação, evitando a responsabilidade, a culpa , o perigo de ser excluído e de que lhe retirem poder e amor. Satisfazer suas necessidades narcisistas e onipotentes sem envolvimento, evitar a culpa pelas consequências de seu prazer, bem como, evitar a responsabilidade por tudo isso - prazer, dor, culpa e amor – é a motivação de quem escolhe calar, se alienar, se omitir.

2- Se o omisso não age, como pode influenciar?

Pagès (1976) diz que, quando um grupo se inicia cada integrante parece ter para si informações necessárias aos demais, e ainda desconhecidas desses. Uns observam os outros e ainda temem se “entregar”. Temores não formulados paralisam o grupo e a expressão desses temores parece ainda difícil. Na sombra – governam a vida do grupo muito mais do que informações objetivas do conteúdo em pauta e se apresentam através de diferentes aspectos. Em um nível superficial, o temor é vivido como uma fantasia de não ser reconhecido pelos demais. Próximo a esse temor, em um nível menos superficial, o sentimento é de que talvez não consiga se comunicar, e de não se tornar importante.

Grupos e pessoas “protegem-se”, também através da omissão. Não se trata simplesmente de uma resistência. Mais profundo que isso, trata-se de uma estratégia defensiva contra o que acredita ser um ataque hostil a suas crenças, a sua estabilidade.

3- Que danos a omissão pode causar às instituições e à sociedade?

É necessário retomar a ideia inicial de que o comportamento omisso traz à tona questões sobre ética, moral e cultura. A ética traduz características de uma comunidade e a integração de condições que assegurem sua coesão. A não-ética de Maquiavel sugere que os meios justificam os fins. Desenvolve-se a partir dessa lógica um conjunto de tradições, de modelos de comportamentos, que asseguram a alienação e a ambiguidade entre as partes do processo – meios e fins – e traz como consequência o enrijecimento, a paralisia, o deslocamento de objetivos, a ossificação das relações humanas e das instituições. O que se observa no cotidiano é que, geralmente, os meios são sociais, e o fim, individual e narcisista.

As ideologias são sistemas de ideias, valores, e padrões morais e éticos, de que os homens dispõem para orientar e sustentar suas ações, em um contexto grupal, institucional ou social. Podem ser conscientes ou não, mas sempre carregam grande carga emocional. Sistemas ideológicos são fundamentais na organização da vida em comunidade. O acesso a parte inconsciente desse conteúdo, é o que possibilitará o reconhecimento de ambiguidades, conflitos, grau de saúde, sistema de distribuição e de estruturação do poder.

Aprendemos com Freud (1974), que o psiquismo humano não está centrado exclusivamente em um mundo inconsciente individual, uma vez que se mantém e reafirma sua identidade através das instituições em que se apoia. A instituição, mesmo tendo sido originária da humanidade, sofre posteriormente sucessivas transmissões, ressignificando costumes e representações. A continuidade das instituições depende da transmissão dos processos.

Grandes grupos, até os tão grandes como uma nação, funcionam a partir de processos mais difusos e primitivos. Ocorre em tais grupos maior hostilidade, idealizações e sentimentos de culpa. Em grupos com essa dimensão, o envolvimento com questões que se impõem e a responsabilidade sobre as mesmas, são mais facilmente escamoteadas.

Não creio em “espectador inocente”. Envolver-se e abandonar o papel de omisso, não significa fazer sempre algo, direta ou imediatamente. Significa envolver-se na busca de uma resposta, o quê é dever de cada um. Talvez a possibilidade mais importante e potente de contribuir para o desenvolvimento de instituições e da sociedade, esteja exatamente com aqueles que “abdicam” de tal poder, e se eximem da responsabilidade.

4- Da omissão a Transformação

Um grupo saudável aprende sobre sua realidade e a transforma. A apreensão da realidade, consciente e inconsciente, interna e externa, histórica e presente, implica em mudança nas necessidades do grupo e em sua reorganização, ou seja, realiza mudanças na cultura do grupo – posição que persegue, organização que adota, modo como se estruturam as relações, e valores.

Pelas atitudes que encorajar, pela ideologia que veicular, e pelos sistemas afetivos que estabelecer, um sujeito poderá estimular e facilitar o desenvolvimento dos grupos, intergrupos, das instituições e da sociedade. Assim, novas “regras” sociais, éticas e afetivas poderão ser construídas. Regras que priorizem e protejam valores como liberdade, dignidade, respeito, responsabilidade e comprometimento. Novas regras que estimulem atitudes que venham a viabilizar uma vida verdadeiramente humana em sociedade.

Bibliografia Referida

Freud, S.- Totem e Tabu - vol. . XIII, Imago, RJ – 1976.

_______ - Sobre o Narcisismo – vol. XIV, Imago, RJ – 1974.

_______ - Psicologia de Grupo e a Análise do Ego -vol XVIII, Imago, RJ – 1976.

Pagès, M.- A Vida Afetiva dos Grupos - Ed. Vozes, SP – 1976.

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